quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Onde traçar a linha que separa a sanidade da loucura?

Certa vez, um indivíduo de aparência normal chegou a um hospital psiquiátrico norte-americano e esperou pacientemente para se consultar. Quando finalmente entrou no consultório do médico, este lhe perguntou: “o que o traz aqui, meu caro?” Ele alegou escutar repetidamente vozes que lhe diziam as palavras "oco" "vazio" e o som "tum-tum". Fora isto, comportou-se de maneira tranquila e respondeu a perguntas sobre sua vida e seus relacionamentos de forma sincera e lúcida.

Outros oito voluntários sadios fizeram a mesma coisa, cada um deles em um hospital diferente. Dos nove, oito foram diagnosticados com esquizofrenia e devidamente internados para tratamento.Assim que foram admitidos, os “pacientes” passaram a agir normalmente. Observavam a tudo e a todos e faziam anotações em suas cadernetas. No começo, as anotações eram feitas muito discretamente, mas logo eles perceberam que podiam fazê-lo na frente de todos. Médicos e enfermeiros dedicavam muito pouco do seu tempo aos pacientes e raramente respondiam até às perguntas mais simples dos mesmos.

Apesar de seus óbvios sinais de sanidade, nenhum de nossos heróis foi desmascarado. Quem duvidava da “loucura” dos novos colegas, por incrível que pareça, eram os demais internos. "Você não é louco. “Você deve ser um jornalista ou um pesquisador analisando o hospital”, disseram diversas vezes. Os pacientes estavam certos. Nosso “indivíduo de aparência normal” do início deste texto era David Rosenhan, e o estudo que ele e seus colegas fizeram resultou no artigo On Being Sane in Insane Places ("Sobre Ser São em Locais Insanos"), publicado na conceituada revista Science, em janeiro de 1973. Hoje, ele é professor emérito das Faculdades de Psicologia e Direito da Universidade de Stanford.

Nesse estudo, os “pacientes” permaneceram nos hospitais por períodos que variaram de 1 a 7 semanas. Foram devidamente medicados e, como quase todos os pacientes regulares, eles escondiam as pílulas sob a língua e as jogavam fora quando já não estavam mais na presença dos enfermeiros. Ao cabo de um período que variou de 7 a 53 dias, todos os oito tiveram alta com o diagnóstico de "esquizofrenia em remissão", expressão que, no jargão psiquiátrico, significa que o paciente está livre dos sintomas.Já de volta à sua identidade real, os pesquisadores requisitaram os arquivos sobre suas estadas nos hospitais. Em nenhum dos documentos havia qualquer menção à desconfiança de que estivessem mentindo ou que aparentassem não ser esquizofrênicos.

A conclusão que David Rosenhan escreveu em seu trabalho abalou os alicerces da psiquiatria americana dos anos 70: “torna-se evidente que não podemos distinguir a sanidade da loucura em hospitais psiquiátricos. O próprio hospital impõe um ambiente especial no qual o significado do comportamento pode facilmente ser mal interpretado. As consequências para os pacientes internados em um ambiente como esse - a impotência, a despersonalização, a segregação, a mortificação e a auto-rotulação - parecem, sem dúvida, anti-terapêuticas”.Cada um dos leitores deste blog pode agora se perguntar: “se existe uma linha que definitivamente separa a lucidez da loucura, onde eu me posiciono em relação a ela”?

Sérgio Goulart Oreiro, D. Sc.

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