sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Os Vickings, os Maias e as mudanças climáticas

Leitura crítica crítica do trabalho:

Of  Mayas and Vikings ... and Millennial-Scale Climatic Oscillations. Sherwood, I., Keith, I and Craig, I. CO2 Science, Volume 6, Number 31: 30 July 2003

Quase todo já ouviu falar dos Vikings - de quem os autores deste trabalho (sendo ambos noruegueses), presumem serem descendentes - e como seus destinos foram atrelados à escala de oscilações climáticas milenares que repercutiram em todo o Holoceno ( Bond et al 2001., ; Viau et al 2002., ) e para além do mesmo ( Oppo et al 1998, ; Raymo et al 1998 ).

Com a chegada do Período Medieval Quente na última parte do século X D. C., que foi o mais recente aquecimento deste ciclo climático, os Vikings colonizaram com sucesso uma parte da Groenlândia, até que sua colônia sucumbiu ao frio que chegou com a Pequena Idade do Gelo, que foi o nó mais recente de resfriamento do ciclo climático milenar.

Menos conhecido é o impacto da mudança climática do ciclo análogo na história de outro povo - os Maias da América Central e norte da América do Sul tropical - que foram igualmente influenciados pelo ciclo completo dessas oscilações climáticas em escala milenar, que causaram o Período Quente Romano e a subseqüente Era das Trevas fria, como foi demonstrado pelo trabalho de McDermott et al . (2001) , que elaborou uma detalhada história do clima de todo o Holoceno com o uso de um isótopo de oxigênio de alta resolução, bem datado, obtido de uma estalagmite encontrada em uma caverna no sudoeste da Irlanda.
Esta nova interpretação da história dos Maias foi obtida de Haug et al . (2003), que utilizaram o estudo de Haug et al . (2001) como base para os seus trabalhos mais recentes.

Baseado em um estudo de concentrações de ferro e titânio em um núcleo de sedimentos oceânicos extraídos da Bacia de Cariaco, no platô do Norte da Venezuela, o mais antigo dos dois estudos aqui citados elaborou a história da hidrologia de todo o Holoceno para a Mesoamérica e norte da América do Sul tropical. Então, com base em um estudo mais detalhado do conteúdo de titânio de uma pequena parte deste registro, o mais recente entre tais estudos  resultou num registro hidrológico estendido que resultou, nas palavras dos autores, "numa resolução mensal e clara dos sinais anuais".

Como essa história detalhada das precipitações pluviométricas se relaciona com a história dos Maias? Haug et al . (2003) dizem que o período pré-clássico da Civilização Maia floresceu "antes de cerca de 150 D. C., que, de acordo com a história climática de McDermott et al (2003), corresponde à última parte do Período Quente Romano (RWP), época em que o referido império atingiu seu apogeu. No entanto, durante a transição para a Período Frio da Idade das Trevas (DACP, em inglês), que foi acompanhada por um declínio lento, mas muito acentuado nas precipitações pluviométricas, Haug et al (2003) relatam que "a documentação histórica da primeira crise atingiu as terras baixas, o que levou ao" abandono das construções pré-clássicas das grandes cidades maias(Webster, 2002) . "

Esta crise ocorreu durante uma seca que durou muitos anos e foi intensa e antecedeu a transição entre DACP e o RWP, seca essa que foi centrada arpoximadamente no ano 250 D. C. Embora a seca tenha sido devastadora para os Maias, Haug et al . relatam que quando ela terminou,  as "populações se recuperaram, as cidades foram reocupadas, e cultura maia floresceu nos séculos seguintes, durante o chamado período clássico".

Em última análise, no entanto, chegou um momento crítico, entre cerca de 750 e 950 D C. Haug et al, (2003) . determinaram que tal intervalo foi o mais seco de todo o primeiro milênio D. C., quando eles relatam que "os Maias experimentaram um desastre ", em resposta a uma série de outros períodos de secas anuais intensas. Durante este derradeiro colapso da Civilização Maia, como é chamado, Haug et al (2003) dizem que "muitos dos centros urbanos densamente povoados foram abandonados permanentemente, e Civilização Maia clássica chegou ao fim."
Ao avaliar a importância destas observações diversas ao final de seu trabalho, Haug et al (2003) concluem que, "dada a perspectiva de nossa série temporal, parece que as secas mais graves afetaram esta região no primeiro milênio D. C." Embora algumas dessas secas fossem intensas porém breves,  durando apenas entre três e nove anos, Haug et al . notam "que elas ocorreram durante um período prolongado de reduzidas precipitações globais , o que levou a Civilização Maia à beira do colapso".

Assim, a Civilização Maia desapareceu em algum momento durante a transição do Período Frio da Idade das Trevas para o Período Quente Medieval, quando os Vikings estabeleceram suas colônias na Groenlândia. Então veio a Pequena Idade do Gelo, que rapidamente levou os Vikings a abandonarem aquela região. Mas este período frio, que foi o último na escala climática das oscilações planetárias milenares, também deve ter causado tempos difíceis para o povo da América Central e do Norte América do Sul tropical, pois de acordo com os dados da Haug et al (2001, 2003), a Pequena Idade do Gelo produziu , certamente, o regime de precipitações pluviométricas mais baixas (de vários anos de duração) dos últimos dois milênios naquela parte do mundo.

Há uma série de conclusões que podem ser tiradas dessas várias constatações. Uma delas é que tanto a história humana quanto a climática tendem a se repetir e a interagir de forma muito ativa. Outra é que a escala de oscilação climática milenar, que se manifesta nos períodos glaciais e interglaciares, o faz de forma totalmente independente da concentração atmosférica de CO2. Outra conclusão possível é que os dois “nós” deste ciclo climático, tipicamente o Período Medieval Quente e Pequena Idade do Gelo, são fenômenos verdadeiramente globais, manifestando-se, em algumas partes do mundo, principalmente sob a forma de extremos de temperaturas e em outras partes do mundo principalmente em termos de extremos de umidade. O mais importante de tudo é que todas essas conclusões demonstram claramente não há nada de anormal ou incomum sobre o aquecimento observado no século XX.

Referências:

Bond, G., Kromer, B., Beer, J., Muscheler, R., Evans, M.N., Showers, W., Hoffmann, S., Lotti-Bond, R., Hajdas, I. and Bonani, G. 2001. Persistent solar influence on North Atlantic climate during the Holocene. Science 294: 2130-2136.

Haug, G.H., Gunther, D., Peterson, L.C., Sigman, D.M., Hughen, K.A. and Aeschlimann, B. 2003. Climate and the collapse of Maya civilization. Science 299: 1731-1735.

Haug, G.H., Hughen, K.A., Sigman, D.M., Peterson, L.C. and Rohl, U. 2001. Southward migration of the intertropical convergence zone through the Holocene. Science 293: 1304-1308.

McDermott, F., Mattey, D.P. and Hawkesworth, C. 2001. Centennial-scale Holocene climate variability revealed by a high-resolution speleothem ð18O record from SW Ireland. Science 294: 1328-1331.

Oppo, D.W., McManus, J.F. and Cullen, J.L. 1998. Abrupt climate events 500,000 to 340,000 years ago: Evidence from subpolar North Atlantic sediments. Science 279: 1335-1338.

Raymo, M.E., Ganley, K., Carter, S., Oppo, D.W. and McManus, J. 1998. Millennial-scale climate instability during the early Pleistocene epoch. Nature 392: 699-702.

Viau, A.E., Gajewski, K., Fines, P., Atkinson, D.E. and Sawada, M.C. 2002. Widespread evidence of 1500 yr climate variability in North America during the past 14,000 yr. Geology 30: 455-458.

Webster, D. 2002. The Fall of the Ancient Maya. Thames and Hudson, London, UK.
Leitura crítica feita por Sérgio Goulart Oreiro, D. Sc.

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