Em todos os verões, os de habitantes de São Paulo vivem um drama que parece não ter fim nem solução. Muito frequentemente, a cidade é castigada por temporais intensos, que duram em média duas horas, começam geralmente da metade para o final da tarde e provocam grande caos urbano.
A chuva perturba o trânsito, deixa bairros inteiros alagados e sem eletricidade, derruba casas e árvores e leva à morte vidas preciosas, principalmente por causa de desabamentos ou queda de árvores. Segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (www.inmet.gov.br), o total de chuva acumulado no Mirante de Santana era de 480,5 milímetros do dia 1º ao dia 31 de janeiro de 2010. No ano de 1987 o Mirante acumulou 442,3 milímetros, um record que quase foi quebrado no verão de 2010. Esse valor representa o dobro da média histórica de janeiro na cidade de São Paulo. (www.climatempo.com.br)
O brasileiro que vive nas regiões Sul e Sudeste está habituado às chuvas de verão. Mas a pergunta não quer calar é por que chove tanto em um único lugar, como é o caso do município de São Paulo. Na realidade, existe uma conjunção excepcional de fatores meteorológicos, cada um deles contribuindo para o citado fenômeno. Já a devastação que as águas provocam, por meio de alagamentos e enxurradas, é também consequência do perfil geográfico da cidade, erguida sobre uma bacia sedimentar, e das características da urbanização conduzida através dos tempos. Além disso, São Paulo é cortada por dois rios de médio porte (Tietê e Pinheiros), além de muitos outros cursos d' água menores que se encontram canalizados.
Devido à proximidade do mar, a maritimidade é uma constante do clima paulistano, sendo responsável por evitar dias de calor intenso no verão ou de frio intenso no inverno, além de tornar a cidade muito úmida nos meses mais quentes do ano. A umidade relativa do ar tem índices considerados aceitáveis durante quase todo o ano, exceto nos dias mais secos do inverno, ocasião em que a poluição atinge níveis críticos, devido ao fenômeno de inversão térmica e pela menor ocorrência de chuvas de maio a setembro.
A precipitação anual média na cidade de São Paulo é de 1.486 mm (INMET), concentrados principalmente no verão. As estações do ano são relativamente bem definidas: o inverno é ameno e menos chuvoso, e o verão, moderadamente quente e muito chuvoso. Outono e primavera são estações de transição. Geadas ocorrem esporadicamente em regiões mais afastadas do centro, e em invernos rigorosos, em boa parte do município. Também ocorrem frequentemente nos municípios vizinhos.
Área urbana do município de São Paulo em 2001 (em roxo) e expansão urbana entre 2001 e 2008 (em vermelho). Cliquem na figura para ampliá-la. Fonte: http://siteresources.worldbank.org/BRAZILINPOREXTN/Resources/3817166-1279658706544/Marengo_Megacidades_SP.pdf.
No que diz respeito à meteorologia, a chuva de janeiro resultou de três fenômenos, segundo a Climatempo: em primeiro lugar, o fluxo de ar úmido que todo ano segue da Região Amazônica em direção ao Centro-Oeste, Sul e Sudeste do Brasil. Tal fluxo é intensificado pela evaporação das águas do Oceano Pacífico na região equatorial e do Oceano Atlântico no Caribe. No verão passado, o efeito El Niño aqueceu as águas do Pacífico equatorial em 2 graus (.http://www2.rodoviasevias.com.br/revista/materias.php?id=468&rvc=23). O segundo fator que concorreu para a formação de fortíssimos temporais em São Paulo e em outras áreas do Sudeste foi o aquecimento do Atlântico – em 1,5 ºC – na sua porção próxima à costa do Sudeste brasileiro (http://portaldoprofessor.mec.gov.br/fichaTecnicaAula.html?aula=18877). Isso faz com que os ventos marítimos que chegam ao planalto paulista, onde se localiza a capital, favoreçam a ocorrência de fortes pancadas de chuva, principalmente no fim da tarde. O terceiro fator é o calor na cidade de São Paulo em janeiro. As temperaturas de janeiro de 2010 em São Paulo foram as mais altas nas últimas seis décadas. O calor favorece o aquecimento do solo, que por sua vez esquenta o ar e aumenta a evapotranspiração dos vegetais e cursos d’àgua, a qual se soma à umidade trazida pelos ventos. O ar mais aquecido fica mais leve e sobe, formando nuvens carregadas. É um clássico ciclo de retroalimentação (http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-77862009000200006&script=sci_arttext).
Tempestade se formando rapidamente na região central do município de São Paulo. Foto tirada na entrada principal do Aeroporto de Congonhas pelo autor às 13:30h do dia 26/12/2010. Cliquem na foto para ampliá-la.
As chuvas fortes não causariam tantos problemas em São Paulo caso a cidade tivesse crescido de forma mais adequada às suas características geográficas. Na virada do século XIX para o XX, impulsionada pela riqueza produzida pelo café e pelo parque industrial cada vez maior, São Paulo passou de uma vila provinciana para metrópole num intervalo de tempo relativamente curto. A partir daí, seus governantes optaram por canalizar boa parte de seus córregos e rios, transformando-os em galerias pluviais no subsolo da cidade. Sobre essas galerias foram construídas grandes avenidas, como 9 de Julho, 23 de Maio, Juscelino Kubitschek e Pacaembu. As galerias subterrâneas coletam a água da chuva dos bueiros e a levam para galerias maiores, que a despejam no Rio Tietê. Nesse processo, as enchentes ocorrem de duas formas. A primeira é quando o volume de água é maior do que aquele que as galerias comportam. Nesse caso, a água volta à superfície pelos bueiros e causa alagamentos. A segunda é quando os próprios rios não comportam o volume de água despejado em seus leitos, e transbordam.
Para retardar a chegada da água aos rios foram construídos os famosos piscinões, grandes reservatórios subterrâneos que hospedam temporariamente a água das enchentes.
A quantidade de piscinões em São Paulo, porém, é insuficiente. O lixo jogado nas ruas também colabora, embora de forma secundária, para as enchentes. Pelo menos, essa é a opinião de muitos especialistas: "O problema real é o elevado volume de chuvas em tantos dias consecutivos, que satura o solo e as galerias", diz o engenheiro Aluisio Canholi, coordenador técnico do Plano de Macrodrenagem da Bacia do Alto Tietê e especialista em drenagem urbana (.http://salacristinageo.blogspot.com/2010/02/por-que-esta-chovendo-tanto-em-sao.html)
A ocupação urbana das várzeas de rios, por sua vez, agrava as enchentes que são naturais neste ambiente ribeirinho. Quando o volume do rio sobe, devido às chuvas, ele alaga as várzeas ( e as casas nelas construídas). É o caso do Jardim Pantanal, na Zona Leste de São Paulo, construído às margens do Rio Tietê, que ficou cerca de dois meses sob as águas. O bairro só voltou ao normal quando o nível do rio baixou, após a diminuição do volume de chuvas.
Não há cidade que passe incólume por chuvas da intensidade das que desabaram sobre São Paulo no início de 2010. Por mais que os sistemas de drenagem funcionem bem, toda cidade tem seu limite de escoamento das águas pluviais, limite esse que varia amplamente em função dos tipos de relevo e de solo em que elas foram erguidas. Uma vez ultrapassado esse limite, a enchente ocorre. O dever de casa que os administradores públicos muitas vezes deixam de fazer é encontrar meios de minimizar os danos, evitar alagamentos prolongados e garantir que a chuva atrapalhe o mínimo possível a vida das pessoas.
Os especialistas calculam que um único dia de chuvas torrenciais em São Paulo, com alagamentos, cause um prejuízo de 95 milhões de reais só com engarrafamentos no trânsito. O engenheiro Aluisio Canholi afirma que 80% do total de perdas econômicas decorre dos congestionamentos de trânsito (http://portaldoprofessor.mec.gov.br/fichaTecnicaAula.html?aula=18877). Motoristas, mercadorias e bens ficam parados no trânsito. Nos outros 20% do saldo negativo entram fatores como perdas materiais e desvalorização dos imóveis situados em áreas sujeitas a inundações. As ações necessárias para amenizar as enchentes em São Paulo são conhecidas: promover o desassoreamento dos rios, a ampliação dos sistemas de retenção de água, a melhoria do sistema de alerta de emergências e a criação de uma comissão específica para tratar do assunto. Essas são algumas das propostas de arquitetos e engenheiros para minimizar os estragos causados pelas enchentes em São Paulo (http://g1.globo.com/Noticias/SaoPaulo/0,,MUL1487285-5605,00-HA+SOLUCAO+PARA+O+PROBLEMA+DAS+ENCHENTES+EM+SAO+PAULO.html).
Em 1947, a cidade de São Paulo tinha 2,2 milhões de habitantes. Foi justamente no ano de 1947 que o Mirante de Santana acumulou 481,4 milímetros nos 31 dias de janeiro (www.climatempo.com.br). A chuva provocou problemas similares aos de janeiro de 2010, embora em escala menor (http://siteresources.worldbank.org/BRAZILINPOREXTN/Resources/3817166-1279658706544/Marengo_Megacidades_SP.pdf). Em janeiro de 2010, foram registrados 480,5 mm (cada milímetro equivale a um litro de água por metro quadrado) no Mirante de Santana (www.inmet.gov.br).
Segundo boletim divulgado pelo Inmet, "a persistência da atuação do fenômeno 'El Niño', as águas mais aquecidas do oceano Atlântico e o excesso de disponibilidade de água no solo foram alguns dos fatores que contribuíram para a ocorrência dos elevados volumes de chuva" no Estado”.
O principal fator de os relatos de transtornos causados pelas chuvas de 1947 serem muito menos trágicos em relação às ocorrências atuais é a forma de ocupação da cidade naquela época. Como na década de 40 as ruas ainda eram de terra nas várzeas marginais dos Rios Tietê e Pinheiros, as águas pluviais eram mais facilmente escoadas e drenadas para os rios. Poucas horas depois das chuvas, portanto, a situação voltava ao normal. "Embora a chuva causasse danos, ela não criava pânico na população, como acontece atualmente “", diz o geógrafo Adler Guilherme Viadana, da Universidade Estadual Paulista (http://noticias.milmar.com.br/?p=797).
Hoje, ao contrário daquela época mais calma, é compreensível que muitos paulistanos entrem em pânico quando começam a se formar as nuvens de chuva no céu.
Sérgio Goulart Oreiro, D. Sc.
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